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As fotografias íntimas tiradas pelo mexicano cego Gerardo Nigenda são incríveis e sensoriais
Ultrapassar aquilo que inicialmente se propõe. Eu comecei a ficar maluco quando me peguei sentindo cheiros ao ler A Casa dos Budas Ditosos, do João Ubaldo Ribeiro. Aquela coisa de calores e Bahia e sexo lambuzado me atiçava as narinas, como se eu estivesse in loco em meio a algazarras e brincadeiras deliciosas.
Mais tarde, já na literatura japonesa, eu lia livros do prêmio Nobel Yasunari Kawabata e sentia tudo o que ele me contava, brisas e som de vento em folhas, via nas páginas pardas com escrita impressa em preto tonalidade de flores e dos quimonos. Me impressionava demais a escrita ultrapassar seu papel de me fazer imaginar para o de me passar sensações reais, invadir outros sentidos meus. Quando me dava conta, tato à flor da pele e meus ouvidos atentos.
É o poder da arte que transcende.
Um fotógrafo mexicano fez isso comigo de novo, ao fotografar, cego, imagens sensuais.
Gerardo Nigenda nasceu em Oaxaca, sul do México, em 1967. Aos 25, perdeu a visão. Trabalhou como zelador de uma biblioteca, cuidando dos livros em braile. Depois virou professor de matemática, ciências da computação e braile quando ganhou, da conhecida fotojornalista e documentarista Mary Ellen Mark uma câmera.
As imagens capturadas por Gerardo em preto e em branco possuem uma conotação tão íntima e de curiosidade, uma textura empregada por quem não enxerga com os olhos e coloca mãos em nossas retinas. Parece fácil sentir o esfregar de mãos, a descoberta, os detalhes. Tudo ali, uma sensualidade quase adolescente.
Vem ver.